Palavras-chave: Conto, Coletânea, Literatura.
Nunca havia visto meu pai chorar. Nem quando meu avô morreu.
Manteve o rosto grave e triste o tempo todo, mas não o vi chorando. Eu devia
ter uns 20 anos e aquela foi a primeira vez. Naquele dia ele chorou.
Vi uma lágrima descendo pelo seu rosto. Depois outra. Não vi
mais. Para mim, significou um choro longo. O seu rosto ficou imóvel. Sério e
com uma máscara de tristeza. A certeza que tive, foi de que aquelas duas
lágrimas foram da perda irreversível e inesperada.
Na pequena sala de televisão, todos estavam quietos. Alguns
olhares eram trocados. De olhos inexpressivos, mostrando a alma que também
chorava. Tudo já havia acabado...
Daquela
saleta se abria uma porta de correr envidraçada, que dava para o quintal
cimentado. Um muro o separava da casa do vizinho à direita. De lá se ouvia
também um choro. Mas esse era forte. Um verdadeiro pranto de tristeza. Tinha
soluços e imaginei muitas lágrimas caindo.
Ouvi
palavrões repetidos. Supus que não era do vizinho. Dele, ainda se ouvia o
choro. Uma névoa de silêncio cobriu a cidade. Alguns raros fogos de artifício,
teimavam em estourar bem ao longe. Sem se saber o porquê. Não houve festa na
avenida principal, chamada de Brasil.
Tinha
um bar na esquina, a poucos metros de nossa casa. Era para vir barulho de lá.
Mas não veio. Estava vazio. Nos dias anteriores os amigos iam ali se encontrar.
Mas não naquele dia. Só não havia fechado porque um bêbado insistente, não saiu
do balcão. Tinha o olhar perdido, fixo na garrafa de cerveja, que estava pela
metade. Os funcionários do local não se importaram com sua presença por mais
alguns minutos, antes de baixarem as portas de ferro. Sabiam que ninguém mais
viria.
A
maioria das pessoas dormiu mal. Alguns não conseguiram. Ficaram acordadas até
tarde ouvindo comentários na televisão. Não cansavam de reprisar os três gols
que consagraram o artilheiro. Aquele último gol... o escanteio cobrado... o
chute... e ele estava lá para desviar para o fundo da rede.
O
que se ouvia, poderia servir de consolo: “Nunca se viu tanto talento”, “os
deuses estão tristes”, “o mundo ficou encantado e se rendeu”, “sempre serão
lembrados”. “Ocaso”. “Injustiça”. Outros, preferiram não ouvir nada. Nada
poderia lhes tirar a dor da perda inesperada. O sentimento nas casas era o de um
velório de algum familiar. O que doía mais era que nem seria necessário muito
para a glória, que não veio.
No
outro dia, a cidade tentou voltar ao normal. O País também. Mas o jornal, que
já não existe mais, não deixou. Lembrou a todos com sua foto de capa, enorme:
um menino, com cara de choro. Devia ter uns 10 anos. Magro, com cabelos cheios
cobrindo as orelhas, vestia uma camiseta um pouco larga, que lembrava as
glórias passadas. Na foto ele parecia iniciar seu choro de decepção. Parecia
estar prestes a expulsar um contido nó na garganta. Olhos fundos, lábios
cerrados e caídos. Nada mais verdadeiro que um choro de uma criança.
Dizem
que o mundo ficou diferente depois daquele dia. Que a arte foi vencida pelo
pragmatismo. Falou-se que os derrotados foram mais lembrados que os vencedores.
Talvez não fôssemos tão melhores como pensávamos? A confiança excessiva nos
cegou? Não saberemos com certeza. A maioria das pessoas se lembra bem daquele
dia. Do que cada um estava fazendo exatamente, quando o pior aconteceu.
A
manchete do jornal com o menino na capa, não trouxe nada escrito em texto longo.
Apenas uma data que ninguém jamais esqueceu: “Barcelona, 5 de julho de 1982”.
Wilson Couto.
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