"Parado no congestionamento, o médico Paulo Martins não disfarçava a sua irritação. Ao seu lado, no banco de passageiros, a Dra. Elisa Prado parecia distante, mexendo em seu celular. O ar-condicionado do carro, ligado em alta velocidade, causava um ruído acima do normal. Elisa encolhia o corpo e passava as mãos nos braços, pelo frio que sentia. Em seguida, fechou a saída de ar a sua frente. Paulo sorriu ironicamente, pois estava com a fronte molhada de suor, mais pela ansiedade que sentia do que pelo calor. — Lisa, tá muito quente. Esse trânsito de São Paulo, com esse calor, não dá. Detesto paletó e gravata, mas estou usando para causar boa impressão. Estamos atrasados e o Dr. Faissal já deve estar impaciente — disse Paulo, com a voz suave, demonstrando afeição. Elisa tirou os olhos do celular e abriu um pouco a saída de ar. — Ele que espere, nunca tem paciência para nada e mal deixa a gente falar. Você sabe o que penso dele... pode ser competente, famoso, não sei, mas acho ele arrogante. Se acha o máximo. E aquele amigo dele então, o Márcio, também se acha o tal, fica o tempo todo assustando a gente e falando sem parar sobre o relatório técnico e da pesquisa que fez na literatura médica… E depois manda a conta cobrada em horas de trabalho, como se fôssemos empresários com muito dinheiro, mal sabe o quanto damos duro. E para ser franca, achei o serviço dele uma porcaria, nem sei se vai nos ajudar em algo — falou Elisa, com um misto de superioridade e desprezo, voltando a fixar os olhos em seu celular. Paulo conhecia Elisa há muitos anos. Sabia como ela tinha personalidade e opiniões fortes. “Talvez os cirurgiões fossem assim, mas nem todos” — pensou ele. Elisa, sua amiga de muitos anos, definitivamente era uma pessoa sem rodeios e leal. Sempre nutriu uma grande admiração por ela, era inteligente, decidida, tinha uma baixa estatura, cabelos castanhos curtos, olhos também castanhos e esverdeados, corpo magro e bem definido, o que aparentava bem menos que seus 35 anos. Casou-se após terminar a residência médica com Jardel, um administrador de empresas que trabalhava com os negócios da família; prósperas lojas de calçados populares.
Na verdade, Paulo já sentiu mais do que amizade por Elisa. Ela, agora, tinha Paulo como amigo e era feliz com Jardel. Paulo, sabendo disso, nunca mais teve coragem de demonstrar outros sentimentos a ela. — Lisa, também estou angustiado e essa situação também é nova para mim. Desde a intimação não tivemos muito tempo, precisávamos achar alguém logo para nos defender. Procurei um cartão que meu pai tinha me dado faz tempo, o Dr. Faissal é conhecido e era amigo do meu pai. Ele cobra caro, mas ele mesmo não está cobrando, seus assistentes estão dando descontos e parcelando para nós. Precisamos de bons advogados senão vamos nos dar mal. Precisamos da medicina para viver — disse Paulo. — Sei, Paulo. Desculpe-me, estou nervosa. Primeira vez que tenho problemas desse tipo. Nunca precisei de advogados, acho estranho como trabalham. Mal consigo entender o que dizem e não explicam as coisas direito para nós. Sei lá, é outro mundo para mim. Sabem que precisamos deles. Não temos escolha, estamos num barco em alto mar. Temos de chegar vivos ao outro lado em terra firme, isso tudo pode ir muito longe. Tô muito preocupada com a repercussão e tudo que pode acontecer — falou Elisa. — Entendo. Vamos manter o otimismo. Ver como a audiência anda. Falaram que é a semana da conciliação no judiciário, de repente, dá um acordo e ficamos livres disso. O processo vai minando a gente aos poucos, parece que gruda na gente e não sai da cabeça. Tudo é muito lento e desgastante. Há várias reuniões com os advogados e parece que temos que explicar tudo como se fosse a primeira vez, também não aguento mais. Não vamos nos desesperar, chegamos vivos até aqui — completou Paulo. — Meu Deus! Uma e meia. Já estamos 15 minutos atrasados! Combinei com o Dr. Faissal ao redor de uma e quinze, agitado como é, deve estar… Paulo nem terminou de falar e seu celular tocou. Era ele. Explicou ao Dr. Faissal que dentro de alguns poucos minutos o pegaria. Ele quis ir com eles à audiência, assim podia conversar e repassar algumas coisas do processo, era um hábito antigo seu chegar em audiências com os clientes. Acreditava que os acalmava nesse momento ao mostrar certa intimidade, o que era apenas uma estratégia, já que ultimamente, em muitos momentos, por estar sempre muito ocupado, estava devendo em atenção pessoal aos clientes. Quando entrou no caminho ajardinado que levava à entrada do seu suntuoso escritório, avistou-o já na porta principal esperando. Um filme rápido passou em sua cabeça. Lembrou-se do dia em que ele e Elisa estiveram ali pela primeira vez, para falar do processo em que eram réus".
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