Palavras-chave: Hospital, Medicina, Sistema de saúde.
Os hospitais privados ao redor do mundo e no Brasil, tem seus
ganhos financeiros atrelados aos serviços prestados. Quanto mais pacientes
internados, exames solicitados, procedimentos realizados e materiais utilizados,
maiores são os lucros. É o sistema de pagamento conhecido como “fee for
service”.
Muitos hospitais privados do país adotam programas de
benefícios que, entre outros critérios, premiam médicos pelo volume de exames,
cirurgias e internações que realizam. Quanto mais procedimentos, mais pontos
ganham em sistemas de avaliação criados para esse fim. O médico que soma mais
pontos pode conseguir mais “reputação” dentro do hospital e privilégios como
presentes, descontos em exames para ele e seus familiares e prioridade no uso
do centro cirúrgico, por exemplo.
Já houve situação em que médico pediatra formalizou denúncia
anônima para a grande imprensa relatando que ao ir trabalhar em uma clínica com
diversos especialistas, lhe ofereceram participação financeira de acordo com a
quantidade de exames complementares solicitados nos pacientes. Isso gera uma
distorção grave no relacionamento dos médicos com os fornecedores de serviços
em saúde.
Muitos gestores de
hospitais costumam checar diariamente a taxa de ocupação nos diferentes setores
de suas instituições e alguns de maneira antiética, vão fazer de tudo para
melhorar seus números. Como? Incentivando internações que podem não ser
necessárias nos diferentes setores como enfermarias e até mesmo em Unidades de
Terapia Intensiva (UTI). Daí, partir para o incentivo de realização de
procedimentos cirúrgicos desnecessários ou não totalmente necessários, também
não é difícil. Um número significativo de pessoas costuma não questionar de
maneira adequada as indicações de procedimentos a que poderão ser submetidas.
Tais indicações deveriam sempre ser pautadas pela comprovação de benefício,
apoiadas na chamada “literatura médica” (artigos científicos).
No contexto da prática clínica os médicos apresentam
autonomia e responsabilidade para decidir o melhor para os seus pacientes.
Estudam, treinam e adquirem certificações das sociedades de especialistas.
Conversam com outros colegas de diversas especialidades, para tomarem decisões
em conjunto sobre os pacientes, em especial aqueles que necessitam de uma operação.
A pergunta que sempre deve ser feita é: existe evidência que certo tratamento
pode trazer benefício ao paciente? Este
é o princípio de fazer as coisas de acordo com a ética: “primeiro não causar
dano”.
Quando diretores de hospital, por qualquer razão, resolvem
interferir no fluxo normal das decisões clinicas dos médicos temos um problema
sério. O gestor, mesmo se for médico, apresenta uma visão da situação que por
razões óbvias visa ao lucro e resultado financeiro positivo. À princípio não
haveria nada de errado em relação a isso, desde que não houvesse nenhum tipo
de interferência com a prática médica e
os serviços oferecidos sempre fossem de qualidade, visando o
benefício do paciente. Não é possível ter uma visão deturpada da função do
hospital (que deveria ser a de oferecer tratamento e saúde) tentando-se indicar
mais operações em pacientes que talvez não se beneficiassem de tais procedimentos.
O leitor deve estar atônito. “Seria isso possível? ” — Perguntaria o mais ingênuo — “Realizar operações desnecessárias ou
não tão necessárias, visando o lucro? ”
Sim. Infelizmente isso pode ocorrer.
A profissão de médico não é como outra qualquer. O desejo
primário de quem escolhe essa carreira é ajudar as pessoas. São anos de estudo
constante e permanente. É preciso ter vocação para suportar as agruras do
sofrimento humano e enfrentar decisões que envolvem vida, morte, dor e
qualidade de vida das pessoas. Além de tudo isso, muitas vezes os médicos estão
sobrecarregados por pressões do sistema de saúde e de hospitais, que pouco tem a
ver com a prática clínica. As regras e linguagem do mundo corporativo foram
incorporadas na saúde. E isso muitas vezes tem impedido o médico de oferecer os
cuidados que ele julga mais adequado para o paciente, gerando dilemas éticos.
Tais situações podem interferir no estado emocional e psiquismo de médicos que
são verdadeiramente vocacionados e comprometidos com sua profissão.
O médico Atul Gawande, é um cirurgião de Harvard. Mas não é
por isso que ele é conhecido. Ele é um especialista e pesquisador em saúde
pública e um renomado escritor de best
Sellers nos Estados Unidos. Em 2009
enviou um artigo à revista The New Yorker
que causou polêmica ao expor problemas e contradições no sistema de saúde
americano. Esse artigo não é recente, mas os temas apresentados e discutidos
nele, ainda são.
O Dr Gawande visitou
uma cidade no Texas chamada McAllen tentando entender a razão dela apresentar
gastos com saúde bem acima do normal quando comparada com outras cidades e da
média nacional americana. Ele se baseou em informações do medicare, que é o sistema de saúde público americano, oferecido a
certas pessoas com idade superior a 65 anos.
O sistema de saúde
americano é de longe o mais caro no mundo. A Cidade de McAllen visitada pelo
doutor Gawande, era a que mais gastava nesse sistema. Lá a medicina era vista
como um negócio e fonte de lucro. Os pacientes eram submetidos a mais exames,
mais tratamentos em hospitais, mais cirurgias, mais assistências do tipo
"home care", etc. Existia nessa cidade uma indicação exagerada de
exames e procedimentos e grande parte dos médicos atuava com espírito
empresarial aguçado. Muitos eram donos de centros de imagem e de hospitais da
cidade, por exemplo. Tudo era maximizado para aumentar os lucros, relacionados
com os cuidados ao paciente. E isso não significava uma qualidade de
assistência melhor quando comparada com outras cidades com perfil de atendimento
semelhante.
Em medicina, fazer
demais não significa fazer o melhor. Os dados do medicare americano indicam que quanto maiores os gastos em saúde
por pessoa em determinado estado, menor o posicionamento nos "
rankings" de avaliação de qualidade. Os pacientes dessas áreas mais
dispendiosas, são submetidos a mais exames, procedimentos, visitas com
especialistas e internações hospitalares. Mas não apresentaram melhores
sobrevida, resultados funcionais ou índices de satisfação. Pelo contrário. Pareceram
piores. Isso se explica pelo fato de que nada em medicina é isento de riscos. Várias
complicações podem se originar das internações hospitalares, medicamentos,
procedimentos e exames. Em determinadas situações o risco pode ser maior que o
benefício. Os números americanos indicam que milhares de pessoas morem a cada
ano de complicações cirúrgicas (mais do que em acidentes automobilísticos, por
exemplo).
Em seu artigo o Dr Gawande observou que a famosa clínica Mayo (sendo a matriz original localizada
em Rochester, Minnesota, nos Estados
Unidos) apresenta níveis extraordinários de tecnologia e qualidade. Entretanto,
seus custos com o medicare estava
entre os menores do país. Qual o segredo da clínica Mayo apresentar um dos menores custos em assistência à saúde nos
Estados unidos e estar entre as instituições de maior qualidade?
Durante meu treinamento na Clínica Mayo nos Estados Unidos pude constatar o que o Dr Gawande também
observou pessoalmente: as necessidades dos pacientes estão em primeiro lugar. Toda
a cultura de trabalho da Mayo gira em
torno disso. Os médicos ganham um bom salário fixo e outras regalias para
atividades educacionais, como laptops. Dessa forma os objetivos nos cuidados ao
paciente não visam obter lucros. Não se pagam por procedimentos realizados. Nos
imensos ambulatórios de especialidades, os médicos vão até as salas de outros
colegas muitas vezes em outros andares, para responder pessoalmente as interconsultas e avaliações. Tudo organizado e agendado. Uma eficiência exemplar
também presente em seus complexos hospitalares.
A questão central do que foi discutido acima é: por que pagar
os honorários médicos hospitalares por quantidade e não qualidade? Por que não
premiar equipes de profissionais de saúde que realizam boas práticas?
A Doutora Elisabeth Rosenthal é uma médica formada em Harvard
com especialidade em emergência. Se tornou uma jornalista do The New York Times atuando em temas de
saúde. Em 2017 escreveu um livro que
virou um best-seller nos Estados Unidos: An
American Sickness. How Healthcare Became Big Business and How You Can Take
Back. Esse livro explora de maneira detalhada todos os problemas e
distorções do sistema de saúde americano. Mas o que isso tem a ver com o nosso
sistema de saúde? Muito, como veremos, especialmente em relação à medicina
privada, que envolve hospitais, planos de saúde, etc.
Por várias razões o
sistema de saúde americano de certo modo perdeu o foco na saúde e mesmo na
ciência. Passou a se importar com seus lucros. Em geral, toda família americana
é capaz de se recordar de um ente querido que precisou de assistência
hospitalar e o tamanho e falta de explicação adequada da conta a pagar que veio
depois.
Os tratamentos passaram a ter forte apelo comercial e a falta
de regulamentação adequada criou distorções graves na prática médica como a
presença de incentivos financeiros para se fazer mais exames, a realização de
um número cada vez maior de procedimentos e também a utilização de tratamentos
mais caros. Chama a atenção também a extrema variabilidade de preços dos
serviços, exames e procedimentos; dependendo de onde são realizados.
Na visão da Dra Rosenthal temos algumas regras econômicas que
norteiam o mercado médico americano, que se tornou disfuncional. Prepare- se.
São 10 no total e nada agradáveis:
1-
“Mais
tratamento é sempre melhor. A preferência é para a opção mais cara".
2-
“Um
tratamento que dure a vida inteira é preferido do que a cura de determinada
condição”.
3-
“As
instalações dos serviços de saúde e o marketing importam mais do que bons
resultados”.
4-
“Com o envelhecimento das tecnologias os
preços podem aumentar ao invés de cair”.
5-
“Não
há livre escolha. Os pacientes estão presos ao sistema”
6-
“Mais
concorrentes em determinado negócio de saúde não significam preços melhores. Os
preços podem aumentar ao invés de caírem”.
7-
“A
Economia de escala não ocasiona preços menores. Com o poder de marketing, os
grandes prestadores podem exigir mais”.
8-
“Não
existe preço fixo para um procedimento ou exame. Os pacientes que não tem plano
de saúde pagam os preços maiores de todos”.
9-
“Não
existe um padrão para cobranças. Sempre existem meios de ganhar dinheiro e
cobranças são realizadas para toda e qualquer coisa. ”
1"Os preços irão subir até quanto o
mercado aguentar”.
No livro citado, é mostrado com exemplos concretos, como cada
regra dessa é encontrada no dia a dia dos americanos. Algumas delas são melhor
aplicadas à realidade dos Estados Unidos, mas em muitas encontramos
similaridades com a nossa medicina privada.
Os hospitais se tornaram cada vez mais fonte de lucros representando
cada vez mais um modelo de saúde centrado no empreendedorismo e na visão de que
os serviços de saúde são sim um grande negócio. Os pacientes passaram a ser
chamados de “clientes” por alguns profissionais de saúde, lembrando a relação
comercial existente. De maneira cada vez mais frequente e irritante, a linguagem
do mundo dos negócios passou a ser utilizada na saúde. Entretanto a relação
médico-paciente vai muito além de uma relação de consumo entre fornecedores e
consumidores. Por exemplo, como consumidores nós podemos escolher produtos e
serviços de diversas maneiras, inclusive através da internet, e escolher a
opção que melhor nos agrada, até do ponto de vista econômico. Entretanto, de
maneira frequente, os pacientes estão presos a um sistema onde não são
possíveis muitas escolhas ou praticamente nenhuma escolha. Também se você
apresentar uma situação clínica aguda ou de emergência, não terá tempo para uma
pesquisa minuciosa sobre determinada instituição de saúde ou profissional.
Poderá sim obter algumas referências mais rápidas, através de amigos ou
familiares por exemplo, mas não agirá verdadeiramente como um consumidor. A relação
médico-paciente, portanto, não deveria ser vista como uma relação comercial
simples. Pacientes encontram-se muitas vezes vulneráveis, dependentes e sem
escolhas. Tirar proveito dessa situação não é correto e nem ético.
Muitos hospitais são valorizados demais por se parecerem mais
como hotéis, com serviços fúteis e marketing exagerado. Deveriam ser locais
onde os tratamentos fossem eficientes, e apresentassem indicadores de qualidade
adequados. Locais onde pacientes se sentissem seguros para estar e os médicos
para trabalhar. Durante mais de mil anos os hospitais foram se tornando o
principal local de assistência médica, em especial para o tratamento dos tipos
mais sérios de doenças e lesões. As grandes corporações da saúde atuais
abrangem muitas vezes uma imensa rede de negócios privados, mas nem sempre foi
assim. Os primeiros hospitais foram estabelecidos no Sri Lanka no século IV a.C
pelo rei Pandukabhaya. Forneciam assistência gratuita aos doentes bem como para
parturientes. Asoka, um grande rei indiano, estabeleceu uma rede de hospitais
em Hindustan por volta de 230 a.C. Os romanos construíram hospitais militares
ao redor de 100 a.C. com a finalidade de cuidar dos soldados doentes e feridos,
mas não fizeram hospitais gerais para a população.
A propagação do cristianismo pela Europa ocasionou ações de
caridade, e a abertura de locais para acomodar os doentes. Não se tratavam
propriamente de hospitais, mas refúgios onde os monges e freiras ofereciam
alimento, abrigo e ervas medicinais. Muitas vezes eram usados para isolar os
doentes da sociedade e ali não eram realizadas cirurgias, pesquisa ou educação.
Os primeiros hospitais que poderíamos reconhecer como
modernos, foram construídos no Oriente Médio, inicialmente em Damasco em 707.
Esses grandes locais para curar os doentes foram denominados de bismaristanos.
Os pacientes eram assistidos por profissionais qualificados, inclusive
especialistas. Já nessa época havia a separação por alas para as diferentes
condições médicas, e aqueles com doenças contagiosas eram separados.
Alguns dos bismaritanos eram enormes e além de médicos e
cirurgiões contavam com pessoal de enfermagem e farmacistas. Apresentavam
também suas clínicas próprias, além de instalações para ensino e pesquisa. Eram
verdadeiros hospitais-escolas, tendo como um dos seus principais objetivos o
treinamento de novos médicos. Os primeiros hospitais psiquiátricos surgiram no
Cairo. Lá dentro, os profissionais trabalhavam em turnos para que houvesse
pessoas no atendimento dia e noite. Um paciente podia ficar o tempo que
necessitasse no hospital e os cuidados com a saúde eram gratuitos. Haviam
também bismaristanos em presídios e móveis (que forneciam assistência para
pessoas que viviam distantes de hospitais).
Os Cruzados quando retornaram, levaram o conceito de
hospitais para a Europa. Os hospitais europeus muitas vezes estavam ligados a
monastérios. No início, frequentemente os hospitais não tinham equipe médica
permanente, com os médicos fazendo visitas ocasionais. Os monges eram quem
dirigiam esses locais e os pacientes eram obrigados a se confessar antes de
serem internados. Na Inglaterra a dissolução dos monastérios por Henrique VIII,
levou ao fechamento e à suspensão dos recursos concedidos à maioria dos
hospitais. O resto da Europa continuou a construir hospitais religiosos.
No século XVIII o espírito do Iluminismo ocasionou a
construção uma série de hospitais na Inglaterra. No final do século, todas as
principais cidades inglesas possuíam um hospital. Ao mesmo tempo, os hospitais
começaram a ser abertos na América do Norte, primeiro na Filadélfia e 20 anos
depois em Nova York. Depois começaram a admitir alunos e médicos residentes
para treinamento. Também no século XVIII
houve a abertura das primeiras maternidades.
Mas a verdade é que muitos dos primeiros “hospitais” europeus
eram locais para se colocarem doentes incuráveis e se deixar morrer os
agonizantes. Haviam casas que abrigavam os vitimados por pestes e para
leprosos, mantendo os doentes afastados. Eram lugares sombrios e sem esperança.
Também se isolavam as pessoas com doenças mentais incuráveis. Tais pacientes
recebiam um tratamento bárbaro e com frequência eram mantidos algemados e
viviam em condições imundas. Eram
exibidos a visitantes que pagavam e tinham permissão para cutucá-los com varas
para estimular comportamentos grotescos. Essas tristes condições melhoraram a
partir de 1860, quando as alas se tornaram limpas, agradáveis e decoradas.
Embora a abordagem às doenças psiquiátricas tenha melhorado
muito nos anos mais recentes, vale lembrar que tratamentos brutais como a
lobotomia (onde parte do cérebro é removida), e o tratamento com choque
elétrico eram comuns na primeira metade do século XX.
Mesmo com toda a evolução, difícil supor que os hospitais
modernos se tornariam grandes empresas, como as atuais. Os diretores (médicos ou não médicos) desses
gigantescos centros de tratamentos, passaram a adquirir títulos do mundo
empresarial como os de Master in Business
Administration (MBA) e receber salários comparáveis ao mundo corporativo.
Nos Estados Unidos, os executivos da saúde passaram a figurar em listas de
gestores mais bem pagos do país. No nosso meio também salários e compensações
muito vultuosas passaram a ser pagos por grandes grupos da saúde para alguns
gestores afortunados. Obviamente que no mundo dos negócios quando se paga muito
para um gestor é porque se acredita que ele trará retorno para a empresa, ou
seja, lucros e mais lucros. Difícil crer que a prioridade de muitos dos grandes
grupos da saúde seja a qualidade do serviço prestado.
Para o aumento dos lucros
passa- se cada vez mais a otimizar as cobranças: tempos de uso de sala em
centro cirúrgico, uso de oxigênio, medicamentos, etc.
O sistema de cobrança dos hospitais para as operadoras de
saúde é também baseado em uma lista de procedimentos que estão em códigos ou
categorias. Quanto maior a complexidade do procedimento maior o pagamento. Nos
Estados Unidos, muitos hospitais passaram a pagar taxas por “ produtividade”
para os médicos de acordo com o tratamento oferecido. Ou seja, quanto maior o número e a
complexidade dos “ códigos” maior o faturamento para os hospitais (o que ficou
conhecido como upcoding) e maior o
repasse de uma “ taxa de produtividade” para os médicos. A regra utilizada é a
de “quanto mais se fizer melhor” e também de hipervalorizar as contas do que
for feito (cobrando “ códigos” maiores). Criam-se equipes de faturamento otimizadas
e com vários profissionais, hipertrofiando as cobranças dos serviços prestados.
Nos Estados Unidos
muitos CEOs (abreviação para chief executive officers) de hospitais
gigantes e renomados, passaram a receber bônus salariais baseados em índices
como “ lucratividade”, “ taxa de internação”, “ balanço positivo” etc.
Idealmente esses bônus deveriam ser oferecidos para índices como “ redução de
taxas de infecção”, “ diminuição da realização de procedimentos desnecessários”
e outros critérios relacionados a uma maior qualidade de atendimento. Os salários desses CEOs em grande parte dos centros médicos americanos (que se intitulam
como não sendo de fins lucrativos) aumentou 93% em um período de 10 anos. Em
2015 era ao redor de 5 vezes mais que salários de médicos mais bem pagos. Essa
tendência continua e vale a pena dizer que os médicos americanos estão entre os
mais bem pagos do mundo. Para algumas especialidades médicas, como pediatria, o
ganho dos CEOs chega a ser 12 vezes
maior. Essa tendência se repete em relação aos chamados diretores financeiros
dessas instituições. É curioso observar que os gastos em saúde nos EUA
aumentaram de 2,5 para 3,2 trilhões de dólares e que salários dos gestores
representam mais de 1/4 desse crescimento.
Os números acima são gigantescos especialmente os gastos com
atividades chamadas de “não clínicas”.
Entretanto o aumento dos gastos ocorreu sem alterações substanciais no
sistema de saúde. Ou seja, para praticamente o mesmo tipo de assistência
gasta-se muito mais, especialmente com o pagamento de salários milionários dos
executivos da saúde. Não existe uma unidade de comparação para os salários dos
gestores. Também não se sabe o quanto de qualidade os afortunados diretores, trouxeram
ao sistema de saúde.
As justificativas dadas para as altas remunerações são de que
médicos em geral não se preocupam com o gerenciamento de custos da prestação de
serviços em saúde, e também que o sistema de saúde de está ficando cada vez
mais complexo e caro, sendo necessário executivos especializados para geri-lo.
Além disso é comum haver compras e fusões entre as grandes companhias da saúde,
o que aumentam as responsabilidades dos executivos. Sim é verdade. A saúde de
virou um grande negócio e os administradores estão a todo momento vendo formas
de expandi-lo. Há quem diga ainda que os salários das “estrelas” da saúde
(algumas disputados a peso de ouro) podem crescer ainda mais, considerando o
potencial de crescimento financeiro das instituições. Em outras palavras: lucre muito que te pago
muito. Se isso é bom ou não para os pacientes é outra conversa.
Hoje em dia ouvimos falar muito dos altos dos serviços de saúde,
a chamada “inflação médica”. Esses custos na prática privada são comumente atribuídos
aos honorários dos médicos. Entretanto um estudo recente mostrou que os preços
praticados pelos hospitais nos Estados Unidos cresceram também muito mais
rápidos que os dos honorários médicos. O Dr Zack Cooper fez uma análise dos custos
do atendimento em saúde para pacientes internados de 2007 a 2014 e observou que
os preços dos hospitais cresceram 42% enquanto o dos médicos 18%. Para os
atendimentos ambulatoriais realizados na estrutura hospitalar, os preços
subiram 25% contra 6% dos médicos. Alguns procedimentos cirúrgicos com a
colocação de prótese de joelho, tiveram taxas hospitalares com crescimento
muito significativo. O gasto total em
saúde no mercado privado nos EUA cresceu ao redor de 20% nesse período. Uma das
soluções apontadas para esse problema seria o combate à formação de “trustes” por
grandes companhias da saúde, uso de tabelas de preços (incentivando os
consumidores a pesquisar por serviços mais baratos) e o estímulo para os
médicos referenciar os pacientes para locais com melhor custo efetivo.
Mas o que podemos fazer para não sermos vítimas de situações
nos hospitais em que a necessidade de lucro pode ser colocada antes do melhor
tratamento?
Ressalto que nem todos hospitais usam de expedientes de má fé
para obter lucros. Mas seria lícito dizer que todo hospital privado visa o
lucro. Cautela sempre é bom.
No Brasil não temos propriamente um grande “ ranking” ou
classificação de hospitais como nos Estados Unidos. Lá, o U.S News and World Report publica uma série de dados explorando
diferentes aspectos dos serviços assistenciais em saúde e classifica os
hospitais baseado nesses dados.
No nosso meio, podemos observar que alguns hospitais exibem
selos de qualidade conferidos por agências acreditadoras (como a internacional Joint Commission, ONA, Certificação
Canadense, etc.). Para ser “ acreditada” (em diferentes níveis) a instituição
tem que passar por extensos processos de treinamento e padronização de cuidados
em seus diferentes setores. Isso por si, indica uma preocupação institucional
com a qualidade e resultados de seus serviços. Por outro lado, vale ressaltar
que tanto na situação de “ranking”, como na de acreditação, as instituições são
“ treinadas” a obter bons resultados nas métricas analisadas.
Quando estamos na situação de paciente, ficamos vulneráveis.
Na maioria das vezes nos entregamos totalmente à instituição e a seus
profissionais sem questionamentos. Mas é nosso direito entender bem cada etapa
do tratamento proposto. Nós, ou nossos familiares falando por nós, devemos
simplesmente perguntar de maneira educada antes de cada internação, cada
tratamento (clínico ou cirúrgico) ou de cada exame que vamos ser submetidos: “
Qual a indicação disso”? Ou se quisermos
ser mais específicos: “ Qual a evidência (científica) da efetividade de
determinado tratamento ou investigação”?
Particularmente em relação aos tratamentos cirúrgicos sabemos
que existem riscos de complicações que podem trazer consequências e mudanças no
estilo de vida, particularmente em pacientes idosos. Antes de serem submetidos
a uma operação as pessoas com idade mais avançada devem estabelecer e discutir
com seus familiares tópicos importantes de seu tratamento como a importância do
prolongamento da vida a qualquer custo e a preservação da independência e
manutenção da qualidade de vida. É extremamente importante também que esses
assuntos sejam abordados com o cirurgião responsável para saber até que ponto a
operação proposta pode afetar esses fatores. Por exemplo, a decisão de alguns
pode ser para manter uma certa qualidade de vida com independência e não viver
por mais tempo e dependendo dos outros. Dessa forma, certos tratamentos
cirúrgicos podem ser recusados, não importando o interesse de determinado
cirurgião ou hospital para a realização dos mesmos.
Um aspecto importante do tratamento cirúrgico e que muitas
vezes não é abordado adequadamente com o paciente diz respeito ao tempo de
recuperação necessário de uma operação, bem como necessidade de cuidados após a
alta hospitalar. Isso vai depende do procedimento, idade e condições do
paciente. A recuperação pode se dar sem ajuda de ninguém ou com ajuda mínima de
familiares ou conhecidos. Pessoas mais idosas podem necessitar de maior ajuda e
atendimento especializado. Embora seja difícil se prever todas as complicações
e necessidades, é possível um certo julgamento da situação com base em dados
clínicos e o porte da cirurgia a ser realizada. Uma cirurgia é a parte mais
agressiva da terapêutica e deve ser realizada para melhorar o paciente. Em
algumas situações isso pode não ocorrer totalmente ou imediatamente. Mesmo após
a recuperação ao estado de saúde prévio, certos aspectos da vida cotidiana
podem mudar. Dessa forma é essencial se pesar os riscos e benefícios de cada
cirurgia e suas consequências na vida diária de cada um. Cada paciente é
diferente e apresenta particularidades e os cirurgiões deve aconselhar seus
pacientes da melhor maneira possível de como a suas vidas podem mudar depois.
Exceto em situações de emergência, em que não há tempo para
muitas ponderações por causa da prioridade de salvar a vida, a decisão de ser
submetido a determinado procedimento cirúrgico é uma decisão pessoal. Devemos
coletar o maior número de informações possíveis sobre a operação a ser
realizada, de como ela pode nos afetar. Devemos perguntar tudo que nos preocupa
e conversar com as pessoas próximas a nós antes de tomarmos a decisão final.
Devemos compreender claramente o que está sendo feito e por
que. Lembre-se: não existe uma correlação direta entre preços e qualidade dos
serviços. Em alguns hospitais privados de grande porte, vários especialistas
podem ser chamados para avaliar um paciente. É sempre bom se certificar que
esses especialistas estão na escala do hospital e irão atender pelo mesmo plano
de saúde que o paciente internou (obviamente em casos de internação por planos
de saúde).
Mais do que tudo, é tempo dos hospitais e sistemas de saúde
não lucrarem com a doença e sim com a saúde. Devem ser avaliados por métricas
que indiquem verdadeira qualidade, devendo ser estas de domínio público. Só
assim podemos enxergá-los não como uma potencial ameaça, mas com a confiança de
que farão o melhor por nós.
Referências
https://www.newyorker.com/magazine/2009/06/01/the-cost-conundrum
ROONEY, Anne. A História da Medicina. Das Primeiras Curas aos Milagres da Medicina Moderna. 1. ed. Brasil: M. Books., 2013. ISBN 857680204X.
3-
ROSENTHAL,
Elizabeth. An American Sickness: How Healthcare Became Big Business and How You
Can Take It Back.. 1. ed. EUA: Penguin Press., 2017. 407 p.
4-
https://www.medscape.com/viewarticle/908784
Comentários
Postar um comentário