Palavras-Chave: “medical reversal”, reversão médica,
tratamentos, procedimentos, medicina baseada em evidências.
Fonte: PRASAD, Vinayak; CIFU, Adam. Ending Medical Reversal: Improving Outcomes, Saving Lives. 1. ed. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2015. 280 p. ISBN 1421417723.
O Doutor Vinayak K. Prasad é um hemato-oncologista americano e
professor de medicina da Universidade de Oregon, Estados Unidos. É um médico
conhecido pela sua prolífica produção científica. Junto com o Dr Adam Cifu, um
famoso clínico geral e também renomado professor da Universidade de Chicago,
escreveu um livro em 2015 que aborda uma questão polêmica e interessante
envolvendo a prática médica atual. O nome do livro é “ Ending Medical Reversal”,
e não foi traduzido para o português. Numa versão literal seria algo como
“Terminando a Reversão ou Inversão Médica”.
Mas o que
seria o chamado “Medical Reversal” ou “Reversão Médica”?
Quando um
novo tratamento ou intervenção médica é aplicado nos pacientes, nós
partimos do pressuposto que este irá trazer benefícios ao longo do tempo e que
já foi amplamente testado antes de ser utilizado. Acontece que infelizmente
isso nem sempre ocorre. Tratamentos podem ser utilizados de maneira ampla e por
tempo prolongado, e depois se descobrir que eles não são só ineficazes, como
potencialmente danosos. Essa é a chamado “reversão médica”, que além de danos
pode ocasionar um grande grau de frustração nos pacientes. Nessa situação um
tratamento utilizado é substituído por outro e depois descobre-se que ele não é
melhor que o anterior utilizado.
É chocante saber que tratamentos são
utilizados em milhões de pessoas e bilhões de dólares são gastos, sem uma comprovação
adequada por pesquisas de sua efetividade. E mais impressionante ainda é saber
que pesquisas posteriores podem indicar que as impressões iniciais sobre determinados
tratamentos estavam erradas.
Os exemplos
de “reversão
médica” são inúmeros e citaremos apenas alguns deles.
Nos casos de reversão, o que parece funcionar em laboratórios, nos computadores ou idealmente no cérebro de pesquisadores inteligentes, não funciona nos pacientes. E ainda, muitos médicos e estudiosos parecem não acreditar nisso. Existem também procedimentos médicos, alguns usados por décadas, com custos enormes ao sistema de saúde, que no decorrer de anos também se mostraram sem real benefício aos pacientes.
Nos casos de reversão, o que parece funcionar em laboratórios, nos computadores ou idealmente no cérebro de pesquisadores inteligentes, não funciona nos pacientes. E ainda, muitos médicos e estudiosos parecem não acreditar nisso. Existem também procedimentos médicos, alguns usados por décadas, com custos enormes ao sistema de saúde, que no decorrer de anos também se mostraram sem real benefício aos pacientes.
A Flecainida
é
uma droga antiarrítmica, usada para estabilizar os batimentos cardíacos de
pacientes que apresentam extra-sístoles, uma forma de batimento irregular do
coração (uma espécie de “batimento extra”, mas de forma irregular). A
ocorrência de extra-sístoles quando frequentes e em determinadas situações como
Infarto Agudo do Miocárdio, está associada com um risco maior de morte. Nos
anos 90 a impressão geral era de que a flecainida era a melhor droga para
tratar esse tipo de arritmia. Entretanto em 1992 um grande estudo chamado de
CAST (em inglês: “Cardiac Arrhythmia Supression Trial”) demonstrou algo
surpreendente: a flecainida poderia diminuir as extra-sístoles, mas por outro
lado aumentava as chances dos pacientes morrerem. Uma conclusão obviamente
estarrecedora e que trouxe à tona a falibilidade de conclusões e modelos
científicos.
A hipertensão arterial ou popularmente
conhecida como “pressão alta”, se tornou um grande problema de saúde pública
global. Embora a maioria das pessoas com hipertensão não apresentem sintomas,
se não tratada pode levar ao aumento do risco de Acidente Vascular Encefálico -
AVE (o popular “derrame cerebral”), doença cardíaca, renal e morte. Dessa forma
se tratarmos a hipertensão arterial, mesmo que esteja presente de maneira
“silenciosa” (sem causar sintomas), estaremos diminuindo o risco de morte das
pessoas.
O atenolol é
uma droga usada para baixar a pressão ou anti-hipertensiva, da classe conhecida como betabloqueadores. Durante muitos anos foi considerado uma droga padrão
para o tratamento da hipertensão e se uma nova droga tentava chegar ao mercado
era necessário que provar que ela era tão boa quanto o atenolol. Entretanto em
2002, depois do atenolol ter sido usado por quase 20 anos, surgiu um estudo
chamado “LIFE”. Nele o atenolol foi
comparado com uma nova droga chamada losartan. Os resultados mostraram que as
pessoas que tomaram losartan apresentaram menos AVE (”derrame cerebral”) e
viveram mais das que tomavam atenolol. Aparentemente os resultados indicavam
que havia surgido uma droga melhor para substituir o atenolol. Interessante
observar que ambos os medicamentos baixavam a pressão da mesma forma.
O estudo
LIFE continuou e em 2004 e os pacientes que tomavam atenolol foram comparadas
com pessoas que tomavam placebo (remédios que não contém componentes químicos
ativos, apenas açúcar, por exemplo). E
por incrível que possa parecer o atenolol não se mostrou melhor no controle da
pressão do que uma droga placebo. O atenolol baixava a pressão, mas não diminuía
nas pessoas o risco de morte, ou de ter um ataque cardíaco. Ou seja, um
medicamento amplamente aceito (que gerou uma discussão constante sobre
hipertensão arterial), utilizado como um tratamento considerado padrão durante
anos a fio e que gerou muitos milhões de dólares para seus fabricantes, não
prolongou a vida dos pacientes em um dia sequer.
Um
outro estudo mais recente mostrou que o metoprolol (uma outra droga da classe
dos betabloqueadores) não é superior ao atenolol. Parece que se ao
se utilizarem betabloqueadores para controlar a pressão arterial pode levar a
uma diminuição pequena, em termos de porcentagem, no risco de AVE (”derrame
cerebral”), mas não prolongam a vida. Ou seja, para a medicina esses
medicamentos não funcionaram.
A vertebroplastia é procedimento médico que foi idealizado no
final da década de 90 por dois radiologistas. Visa tratar as pessoas, a maioria
mulheres, que sofreram fraturas da coluna causadas por osteoporose, uma espécie
de enfraquecimento gradativo, que leva à dor nas costas crônica. Nesse
procedimento, descrevendo de maneira simples, uma agulha é inserida no osso
fraturado seguida da colocação de “cimento” ortopédico. Com isso, a fratura é
corrigida, a compressão do nervo causada por ela melhora com consequente alívio
da dor. No início, os pacientes que realizaram esse procedimento melhoraram
muito, o que entusiasmou pacientes e médicos. A cada ano, mais e mais pacientes
americanos foram submetidos a tal procedimento. Apesar de ocasionalmente
ocorrerem complicações, no geral o procedimento parecia funcionar bem e gerava
lucros exorbitantes.
Em 2009,
pesquisadores realizaram um estudo que mudou as coisas. Selecionaram 200
pacientes, sendo que metade foram submetidos à vertebroplastia e a
outra metade não. Interessante notar que os pacientes que não realizaram a
intervenção foram levados para a sala de procedimentos. Lá, o “cimento”
ortopédico era aberto, de tal forma que os pacientes podiam sentir o cheiro
dele. Mas nesse grupo o cimento não era colocado, e em seu lugar era injetado
apenas uma solução que não causava efeito algum. Dessa forma, era realizado um
procedimento falso. A conclusão surpreendente foi de que ambos os grupos de
pacientes melhoraram da dor de maneira igual. A vertebroplastia não se mostrou
superior a uma intervenção falsa (placebo).
A “reversão médica” pode ocorrer em qualquer
aspecto da medicina: em um tratamento com medicamentos, procedimentos
cirúrgicos, exames diagnósticos, rastreamento de doenças, etc. A prática médica
está cada vez mais recheada de exemplos de intervenções que não funcionam, não
são efetivas quando comparadas com a ausência de tratamento, e também não se mostram
melhores que outras já utilizadas e mais antigas. Estima-se que cerca de 40%
dos tratamentos e práticas utilizados rotineiramente são ineficazes, o que é bem significativo em termos numéricos.
Embora seja difícil estimar a dimensão exata da “reversão
médica”, cada vez mais surgem evidências de que não existem
provas de benefícios em muito do que é feito no sistema de saúde.
Voltaremos a abordar esse tema em futuros
posts e a melhor forma de se combater a “reversão médica”.
Fonte: PRASAD, Vinayak; CIFU, Adam. Ending Medical Reversal: Improving Outcomes, Saving Lives. 1. ed. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2015. 280 p. ISBN 1421417723.
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