Palavras-chave:
Opioides, Dependência, Abuso, Medicina.
Os opioides
são uma classe de drogas que derivam de uma planta (papoula). São divididos em
duas categorias principais: medicamentos fabricados legalmente e drogas
narcóticas ilícitas, como a heroína. Tem ação analgésica, narcótica e
hipnótica.
Os fármacos
opioides, oxycodona, hydrocodona, e morfina, são usados na prática médica para
tratar dor. A metadona, por outro lado,
é usada para tratar os pacientes que desenvolvem dependência com o uso desses
medicamentos. Nos anos 90 os opioides começaram a aumentar gradativamente,
sendo utilizados para pacientes com o diagnóstico de câncer e no manuseio da
dor pós-operatória de uma série de condições.
Acontece que
nos últimos 15 anos os opiodes começaram a ser usados de maneira crescente para
tratar condições crônicas muito comuns como lombalgias (“dores nas costas”) e
dores em articulações. As companhias farmacêuticas afirmavam para a classe
médica que o uso de tais drogas era seguro e que os pacientes que as usavam
para o tratamento de dor crônica, não se tornariam dependentes delas, um
problema que todos conheciam.
Alguns dados
se mostraram alarmantes nos Estados Unidos (EUA):
- De 21 a
29% dos pacientes que usaram opiodes para o tratamento de dor crônica, os
utilizaram de maneira disfuncional,
- Entre 8 e
12% desenvolveram dependência,
- É estimado
que 4 a 6% dos que usaram os opioides legalmente prescritos de maneira
disfuncional, mudaram para o uso de heroína,
- Ao redor de
80% das pessoas que usam heroína já usaram medicamentos opioides de maneira
disfuncional.
A dependência também se estendeu aos opioides sintéticos
como o fentanil, que é um anestésico.
Ainda:
Estatísticas
de 2018 mostraram que a cada dia 128 pessoas morreram de overdose de opioides nos EUA. Na busca de sensação crescente do bem-estar
causado por essas drogas, muitos necessitavam de doses cada vez maiores das
mesmas, um fenômeno conhecido em farmacologia como tolerância. E ao ultrapassarem
os limites de segurança dos fármacos, e por estarem dependentes tanto
fisicamente como psicologicamente, as pessoas passaram a desenvolver
complicações graves, com muitos óbitos.
Tal situação
se revelou como um grande problema de saúde pública na américa, e foi chamada
da “crise de opioides”. Estima-se que as consequências financeiras desse grave
problema nos EUA, incluindo os custos ao sistema de saúde, perda de
produtividade, tratamento do vício e envolvimento com a justiça criminal; seja
de 78,5 bilhões de dólares por ano.
Um dos
fatores que contribuíram para essa grave situação foi o aumento desenfreado da
prescrição dos medicamentos opioides pelos médicos. A indústria farmacêutica
usou um marketing agressivo e várias formas de incentivo para que essa prática
continuasse. Era dito que os medicamentos ofereciam pouco risco e existia uma
pressão contínua para o tratamento farmacológico da dor lombar, por exemplo. Os
pacientes também solicitavam tais medicamentos e outras formas de tratamento
para a lombalgia crônica, como fisioterapia e acupuntura não eram oferecidos
(também por serem muitas vezes menos acessíveis e mais caros). É mais fácil dar
um remédio para dor.
Dessa forma,
os óbitos causados pelo uso excessivo de opioides cresceu proporcionalmente com
o volume prescrito. Também o uso ilegal de heroína, por exemplo, também
aumentou proporcionalmente com crescimento das prescrições “legais” dos
medicamentos na forma de comprimidos. Não haveria uma epidemia do uso de opioides
se não houvesse um acesso demasiado aos mesmos, o que ocorreu com a drogas
farmacêuticas vendidas legalmente.
Nessa triste
história se destaca o medicamento Oxycontin produzido pela indústria Purdue,
nos EUA. Os donos te tal companhia são uma prestigiosa e milionária família: os
Sackler. Tal empresa usou de estratégias muito agressivas para estimular a
venda do seu medicamento. Os seus lucros eram astronômicos, chegando ao redor
de 2 bilhões de dólares por anos. O seu modo de atuação lembrou o das grandes
corporações produtoras de cigarro, que durante anos minimizaram as evidências
de que a nicotina causa vício e que o tabagismo passivo também é perigoso. Mas
no caso da indústria farmacêutica, isso é ainda mais grave, porque medicamentos
supostamente devem ajudar a promover a saúde das pessoas e não as viciar e
matá-las. Desde 1999, mais de 200 mil pessoas morreram nos EUA de overdose, relacionados com a prescrição
de opioides.
O modo de
atuar da Purdue Pharma teve método.
Uma psiquiatra respeitada, Dra. Sally Satel, escreveu um artigo no jornal The
New York Times, em outubro de 2004, defendendo o uso de opioides em doses altas
para o tratamento de dor em certos pacientes. O título do artigo chamava a
atenção para o que ela citou como o fato de se prescrever opioide se tornara
arriscado para os médicos americanos. Na verdade, muitos médicos foram
incriminados por receitarem uma quantidade absurda desses medicamentos. O
documentário americano “Prescrição Fatal”, da rede Netflix, expôs de maneira
crua como funcionavam as clínicas fornecedoras de receitas de opioides. Algumas
funcionavam de madrugada, com filas enormes de desesperados e viciados em
Oxycontin. Sem qualquer tipo de controle da necessidade destes. Receitas
vendidas abertamente, sem qualquer tipo de fiscalização. Posteriormente se
descobriu que a famosa psiquiatra apresentava conflitos de interesse
financeiros vultuosos com a Purdue Pharma
de formas variadas. Durante bastante tempo, ela escreveu dezenas de artigos e
apareceu em programas de rádio e televisão nos EUA, falando contra a restrição
da venda de opioides. Mas jamais falou de suas relações com a companhia Purdue.
Sua credibilidade, obviamente, foi questionada mais recentemente.
Mas os
artigos e aparições da Dra. Satel não foram os únicos métodos utilizados pela Purdue Pharma para defender seus
interesses. Eles contrataram uma milionária agência de relações públicas, a Dezenhall Resources, especializada em
defesa de corporações ameaçadas. Posteriormente contrataram também outros caros
serviços de relações públicas. As publicações e aparições na mídia, instruídas
por essas empresas, focavam no aspecto de que a prescrição de Oxycontin era segura. Se usava de tudo para esse
fim, inclusive o depoimento de lideranças médicas que defendiam seu uso para os
pacientes com dor crônica.
Dessa forma,
com essa campanha e métodos usados pela Purdue
Pharma a mídia diminuiu de maneira expressiva os relatos dos problemas de
vício causados pelo Oxycontin. A bilionária família Sackler conseguiu atrasar o
reconhecimento de que seu medicamento poderia causar dependência séria,
retardando também uma maior regulamentação na prescrição de opioides.
A combinação
do marketing agressivo da Purdue Pharma com
falta de regulamentação, criou uma “onda de morte e destruição”. Antes do
advento da pandemia causada pelo Covid-19, essa questão era apontada como um
dos principais problemas de saúde da década.
Entretanto,
as consequências nefastas dessas práticas criminosas, não puderam ser
escondidas para sempre. Com o passar do tempo veio à tona o fato que a
companhia foi desonesta com os médicos e a sociedade em geral. Ocorreram
milhares de processos judiciais contra a Purdue
Pharma, responsabilizando-a por iniciar a epidemia de opioides. Como
consequência, a empresa recentemente decretou sua falência nos EUA. Além de
perder quantias milionárias de dinheiro (ganho com a destruição de incontáveis
vidas, vale dizer) a família Sackler também perdeu seu enorme prestígio.
Outras companhias
farmacêuticas também estão sendo responsabilizadas pela crise de opioides. Além
da penalização financeira defende-se abertamente a responsabilização criminal
com a prisão de executivos dessas empresas. Muitos fatos novos ainda surgirão.
Nos últimos
tempos foram adotadas políticas de restrição que diminuiu a cada ano o número
prescrições de opioides nos EUA. Mesmo
assim, os americanos ainda são os tristes líderes mundiais no uso desses
medicamentos.
No Brasil
estima-se que os medicamentos opioides expandiram seu mercado em 465%, no
período de 2009 a 2015. Esses números vieram da pesquisa Rising Trends of Prescription Opioid Sales in Contemporary Brazil,
publicada no American Journal of Public Health,
realizado pela Dra. Noa Krawczyk. Esse estudo também indicou que em 2015
ocorreram 9 milhões de prescrições de opioides. Esses números referem-se à
comercialização em farmácias regulares. O uso dessas substâncias pode na verdade
ser ainda maior em nosso meio). Outra pesquisa do mesmo grupo, publicada em
2019, indica que o uso “não médico” de opioides pode ser mais prevalente do que
se pensava.
Aparentemente
o uso de opioides no Brasil não se compara com a epidemia do consumo americano.
Entretanto é necessário que sejam tomadas medidas de regulação e monitoramento
do uso dessas substâncias. Poderíamos evitar assim que uma situação semelhante
ocorresse no nosso país, já tão
castigado por outros problemas graves.
Referências:
1- https://www.statnews.com/2019/11/19/how-purdue-pharma-planted-its-anti-story/
2- https://www.drugabuse.gov/drug-topics/opioids/opioid-overdose-crisis
3- https://www.cfr.org/backgrounder/us-opioid-epidemic
4- https://www.cfr.org/backgrounder/us-opioid-epidemich/
5- https/www.statnews.com/2019/09/16/if-purdue-pharma-declares-bankruptcy-what-would-it-mean-for-lawsuits-against-the-opioid-manufacturer/
6-https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2018/06/11/enquanto-eua-lutam-contra-overdoses-brasil-quintuplica-compra-de-opioides.
7- https://www.researchgate.net/publication/323953181_Rising_Trends_of_Prescription_Opioid_Sales_in_Contemporary_Brazil_2009-2015
8- https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/17441692.2019.1629610?journalCode=rgph20
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