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O relacionamento financeiro da indústria farmacêutica, e de equipamentos, com médicos formadores de opinião.

Palavras-chave: Medicina, Indústria farmacêutica, Equipamentos médicos, Conflitos de interesse.

Não é novo o fato de que existem relações financeiras entre profissionais da saúde e a indústria farmacêutica bem como a de materiais e equipamentos médicos. Isso pode causar impacto na honestidade de pesquisas científicas, educação médica e nos cuidados aos pacientes.

Alguns estudos indicam que companhias que patrocinam certos projetos de pesquisa, apresentam resultados mais favoráveis aos seus produtos nessas pesquisas e empresas que patrocinam eventos educacionais de seus medicamentos, obtêm um grau maior de prescrições e vendas destes.  Também muitos dos chamados guidelines, muitas vezes expandem o conceito de “doença”. Acontece que muitos dos especialistas que participam da elaboração de diretrizes, apresentam conflitos de interesse financeiros com a indústria. Já tratamos desse assunto anteriormente nesse blog (https://www.drwilsoncouto.com/2019/11/as-caras-drogas-contra-o-cancer-e-o.html).

Mais recentemente um artigo publicado por pesquisadores australianos no British Medical Journal – open access, avaliou em detalhes a natureza e a extensão dos relacionamentos financeiros entre a indústria farmacêutica e de materiais médicos, com as lideranças das sociedades médicas profissionais nos Estados Unidos.

Nos EUA, atualmente é obrigatório a exposição pública, em banco de dados, do destino e valores  que a indústria repassa por diferentes razões aos médicos. Dessa forma, os pesquisadores estudaram, entre 2017 a 2019, as sociedades profissionais das 10 doenças que causam maior custo financeiro, e os pagamentos feitos para médicos em posição de destaque nessas sociedades (como por exemplo, membros de conselho administrativo).  

Os resultados mostraram que até 80% dos médicos americanos que tem posição de destaque em importantes sociedades médicas, apresentam relações financeiras com a indústria.  Os influentes médicos das 10 mais prestigiosas associações médicas (como a American Society of Clinical Oncology e a American College of Cardiology) receberam quase 130 milhões de dólares da indústria, em um período de 5 anos.

A média paga para cada liderança médica foi de 31.805 dólares. Houve variação considerável no valor repassado entre os membros das diferentes sociedades médicas. As razões dos repasses foram: pesquisas (Ex: líderes da American Society of Clinical Oncology – 54 milhões de dólares), consultoria, palestras, royalties, etc.

Os achados desse estudo levantam questões importantes sobre a independência e integridade dessas lideranças médicas e a influência que isso possa ter em pesquisas, na educação e nas práticas clínicas, considerando que na maioria das vezes são essas mesmas lideranças de importantes sociedades médicas que elaboram os guidelines para prática clínica.

Vale ressaltar que os autores do estudo avaliaram os líderes das sociedades médicas que representam e educam médicos que trabalham com as doenças mais comuns e mais custosas do ponto de vista financeiro. Dentre essas citam-se: doenças cardíacas, mentais, diabetes, osteoartrite, câncer, doença pulmonar crônica, asma, problemas na coluna e doenças infecciosas.

De novo:  a opinião desses influentes médicos, representantes das sociedades americanas, impactam não apenas os EUA, mas o mundo todo. Muitas vezes partem deles a definição do que é normal e o que é considerado doença (como os níveis de colesterol e pressão arterial).

Sabe-se também que fatores comerciais acabam gerando uma série de problemas com a prática médica atual: diagnósticos excessivos (“sobrediagnóstico”), uso excessivo do sistema de saúde, medicalização excessiva, realização exagerada de procedimentos cirúrgicos; com consequente danos aos pacientes. Estima-se que até 20% dos gastos em saúde são perdidos, incluindo os com tratamentos excessivos. Esses recursos poderiam estar sendo utilizados de melhor forma.

Por razões óbvias, essa importante parcela de médicos deveria estar livre de qualquer conflito de interesse financeiro com a indústria. Esse estudo foi feito nos Estados Unidos, onde os dados dos pagamentos foram tornados públicos por lei. Difícil crer que essas práticas não ocorram em outros países. A única forma de combate-las é através da educação e vigilância constante de todos.

Referências:

1- https://www.bmj.com/content/369/bmj.m1505

2- https://medicalxpress.com/news/2020-05-reveals-extensive-financial-links-leaders.html



Comentários

  1. O quadro apresentado só reforça a minha opinião da necessidade de uma rede internacional de institutos de pesquisa públicos na área médica para um desenvolvimento independente de novas terapias, mas isso vai depender de uma instigação do volume de dinheiro aplicado nas campanhas eleitorais pelas industrias farmacêuticas...
    Nem sempre a iniciativa privada de os melhores resultados.

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